– Porque é que mijas para os que estão abaixo de ti?
– Porque eles fariam exactamente a mesma coisa se estivessem acima de mim. Os filhos da puta!
A Plataforma parte de uma grande ideia. Num tom muito parecido com Cubo, Expresso do Amanhã ou Circle, o protagonista vê-se dentro de uma estrutura vertical onde, todos os dias, entra um banquete pelo topo, que vai descendo os centenas de níveis ocupados apenas por duas pessoas. A comida chegaria para todos se ninguém tirasse mais do que necessita. Mas já se está mesmo a ver no que isto dá, não é?
A alegoria é óbvia, mas nem por isso menos eficaz. Estas coisas funcionam se o filme nos conseguir agarrar à história – mesmo que superficial – e, ao mesmo tempo, nos for dando pistas para a descodificação da metáfora. Ora, a primeira tarefa, à conta de prestações imaculadas dos actores, de um cenário eficaz e de um trabalho de câmara claustrofóbico (também seria difícil não o ser), fica fácil. A segunda, mesmo que não estejamos propriamente perante uma alegoria muito elaborada, acaba por funcionar também muito bem por haver uma ligação tão próxima entre o literal e o figurado. Isto faz com que o primeiro terço do filme seja difícil de igualar em termos de capacidade de contar uma história.
John Rawls falava-nos do Véu da Ignorância como exercício em que o indivíduo propõe o modelo ideal de sociedade partindo do princípio de que não sabe quem será nela. Não sabe cor de pele, sexo, nacionalidade, classe… Seria expectável que o indivíduo propusesse uma sociedade igualitária. A Plataforma deita essa teoria por terra. Alimentado ora pelo rancor (quando se está nos níveis mais baixos), ora pela vingança (quando se está nos níveis mais altos), a estrutura potencia níveis de violência muito para além daquela que poderia ser necessária para se sobreviver.
É por isto que é uma pena que, a chegar ao fim, o filme perca o fôlego e queira enfiar um final à martelada depois de contar uma história tão bem contada. De repente insere personagens novas, um companheiro vindo não se sabe bem de onde que mostra uma lealdade disparatada, um “ancião sábio” que manda cá para fora, muito casualmente, uma estratégia para vencer aquela estrutura (coisa que, até àquele momento, não sabíamos ser sequer uma possibilidade), uma criança que, por qualquer motivo, é muito importante… Enfim, dá a ideia de que estavam sem tempo e tiveram de inventar um final à pressão. Deu asneira. E isso é tão mais frustrante quanto o início tinha colocado a fasquia alta. É uma pena.
* por Diogo Augusto
Título: El Hoyo
Realizador: Galder Gaztelu-Urrutia
Ano: 2019