Existe em Color Out of Space matéria suficiente para o inscrever automaticamente na mitologia cinematográfica sem sequer ser necessário ver o filme. Comecemos pelo mais importante: Color Out of Space marca o comeback de Richard Stanley 25 anos depois de ter enlouquecido nas filmagens desse desastre épico que é A Ilha do Dr. Moreau (e para quem não sabe da missa a metade há sempre o documentário incrível Lost Soul).
Richard Stanley adapta aqui aquele que era o conto favorito do próprio HP Lovecraft, o pai do terror cósmico – esse terror que nos coloca sempre às mãos de um desígnio superior, o próprio universo. E é produzido pela SpectreVision de Elijah Wood, os mesmos tipos que produziram Mandy, esse monumento do cinema fantástico recente. Ah, e tal como Mandy, também tem Nicolas Cage em full mode.
Como se tudo isto não bastasse, Color Out of Space foi feito em Portugal, nas bonitas paisagens de Sintra. Um simples pormenor, mas que aumenta ainda mais o seu poder de atracção. E nos deixa a questionar uma simples interrogação: como é que um filme com Nicolas Cage feito em Portugal não tem estreia cá? Vai além da minha compreensão.
Nicolas Cage e a esposa, Joely Richardson, são assim uma espécie de ex-hippies que vivem num casarão no campo com dois filhos e um bando de alpacas(!). Certa noite, um asteróide cai no quintal e as coisas nunca mais voltam a ser como antes. A realidade, o espaço e o tempo começam a mudar, a distender-se e a comprimir-se, afectando todos aqueles que estão no seu raio de acção (incluindo os alpacas).
Essa entidade cósmica manifesta-se por uma cor, uma cor de outro mundo. Mas como criar uma cor nova? Algo tão impossível quanto explicar a alguém o que é a direita e a esquerda sem usar as palavras direita e esquerda. E, no entanto, Richard Stanley saca um trunfo da manga e ganha aqui o jogo. Com a paleta de cores de azuis e vermelhos de Mandy, mais uns efeitos especiais tão básicos quanto eficazes, Color Out of Space consegue dar materialidade a uma ameaça… imaterial.
Color Out of Space é um daqueles filmes panela-de-pressão, que vai enchendo de suspense até a tampa saltar. E quando isso acontece, vale tudo! Mas é um vale tudo bom. Cage entra em full mode e está mais de 45 minutos em overacting épico; há (muitos) corpos fundidos entre si, recuperando o body horror do Veio do Outro Mundo e do Cronemberg inicial; e há os devaneios cósmico-existencialistas que, nas últimas décadas, se tornaram quase num exclusivo de Stephen King. Há aqui muita matéria que justifica o McBacon de Color Out of Space. A única coisa que não estávamos à espera e que todas elas juntas não valessem um pouquinho mais.
Título: Color Out of Space
Realizador: Richard Stanley
Ano: 2019