| CRÍTICAS | Luca

Ao contrário da Disney, cujos melhores títulos são à base da antropomorfização do mundo animal, a Pixar já nos provou ser capaz de criar verdadeiros universos criativos. Sejam eles com monstros (Monstros e Companhia), com elfos (Bora Lá) ou com o reino dos mortos (Coco). Por isso, olhar para o mundo submarino dos monstros marinhos de Luca é uma enorme desilusão, já que a animação é quase genérica – como se tivéssemos encomendado um filme da Pixar na Wish… – e o próprio universo cinematográfico é, no mínimo, desinspirado.

A verdade é que, apesar de Luca – o protagonista deste novo filme da Pixar – ser um monstro marinho (uma espécie de sereias (sereios?) que, em terra firma, tomam forma humana), a grande maioria do filme não se passa debaixo de água. Passa-se antes em terra bem firme e bem localizada: na Riviera italiana nos anos 50 (há um poster de A Estrada numa parede que não deixa mentir). Por isso, esqueçam lá mundos subaquáticos fantásticos e maravilhosos. Luca é um filme com uma grande carga nostálgica sobre uma Itália que vivemos através dos filmes de Fellini, De Sica ou Visconti, com as mesmas cores mediterrâneas, a arquitectura pitoresca e o clima moderado que parece que é sempre verão, mesmo quando não é.

Enrico Casarosa, que tem aqui a sua estreia na cadeira de realizador, é italiano, mas mais do que querer homenagear a sua pátria, quis prestar tributo à sua juventude. Luca é, por isso, um filme de passagem, que utiliza os seres marinhos como uma metáfora da adolescência e da puberdade. Luca (Jacob Tremblay) é assim um desses seres marinhos-pastor que, tal como menino-pastor que nunca viu o mar, nunca viu a terra, mas sonha conhecer o mundo. Esse espírito de aventura leva-o a adoptar a forma humana e, juntamente com o órfão Alberto (Jack Dylan Grazer), a forjar uma aliança de irmãos para ganharem uma corrida de bicicletas (por momentos, o tour de França de Belleville Rendez-Vous dá lugar ao Giro) e, com o prémio, comprarem uma Vespa (desde Nino Moretti um símbolo da mobilidade italiana) para viajarem pelo mundo em vagabundagem eterna.

Os dois vão-se ainda aliar a Giulia (Emma Berman), outra inadaptada da pequena aldeia italiana onde vão assentar arraias, e formar uma santíssima trindade para derrotarem o bully de serviço (Saverio Raimondo). Pelo meio, vão despertar os primeiros raios de amor e, consequentemente, de ciúme, enquanto que os três vão descobrir que a família e a amizade são a argamassa que mantém o nosso mundo unido.

Nada de novo no mundo da animação, mas feito com o amor e o carinho habituais da Pixar, num filme que é ligeiramente mais infantilizado do que a produtora nos tem habituado. Talvez também por isso nos remeta mais para o universo de Hayao Miyazaki do que para a companhia do Rato Mickey. Não é um mau filme, a Pixar é que nos tem habituado melhor que isto. Daí o Double Cheeseburger final. E fiquem até ao final dos créditos, para uma cena com a melhor personagem do filme: o muito breve Sacha Baron Cohen, na pele do tio distante que vive nas profundezas do oceano (um daqueles peixes horríveis, que faz o cherne parecer a Miss Mundo), e que, na versão nacional – um detalhe com pinta -, fala com sotaque setubalense, ou não fosse a voz do sadino José Nobre.

Título: Luca
Realizador: Enrico Casarosa
Ano: 2021

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