Ora viva amiguinhos, eis-nos chegados ao fim deste fabuloso e fecundo ano de 2021 para apresentar a lista daquilo que melhor se fez em cinema. De notar que a amostra é reduzida, sendo composta daquilo que vi. Neste momento estou escondido numa cave onde como latas de atum fora de validade e ratazanas assadas porque uma multidão munida de archotes patrulha a cidade para obrigar as pessoas a ver o Não Olhem Para Cima e eu ainda tenho 12 filmes de exploitation e 3 filmes de terror italianos para ver.
Os filmes são apenas produções identificadas pelo IMDB como sendo de 2021. Nada de filmes dos Oscares 2020, produções que estrearam em 1987 e só este ano chegaram a Portugal ou pequenas cedências por questões de narrativa. Sem mais delongas, apresentamos este topzinho.
10º Lugar
Pig – A Viagem de Rob, de Michael Sarnoski
Nicolas Cage em tudo é o futuro no cinema. E, numa linha infinita de possibilidades, todas as opções são viáveis. De notar que neste 2021, Nic, o nosso Messias, também teve outro excelente filme, Prisoners of the Ghostland. Uma bizarria estratosférica multidimensional e etérea onde perde um testículo numa situação de excesso de zelo da sua indumentária.
9º Lugar
Annette, de Leos Carax
Annette, meu deus Annette. Tanto há a falar da nova insanidade de Carax, aqui sem o Monsieur Merde. Um musical obsceno acerca de uma retorcida egotrip com minetes cantados, violência doméstica, assassinatos em série, extravagâncias do showbusiness e exploração do trabalho infantil. Um conto de fadas vindo das trevas que demora a entranhar-se mas que depois nunca mais nos abandonará. Baby Annette, Baby Anneeeeeetteeeeeeeeeeeee!
8º Lugar
O Poder do Cão, de Jane Campion
Jane Campion regressa ao cinema para trazer ao Netflix um dos seus primeiros filmes que não parece feito para ser visto numa televisão CRT de 32 polegadas. Uma maravilhosa cinematografia e uma história difícil a marinar em lume brando para terminar numa apoteose de vingança servida bem fresquinha. Boas interpretações e a subversão das expectativas sociais no que diz respeito a orientações sexuais e outras temáticas do mesmo âmbito que não tocarei nem com um pau de 5 metros.
7º Lugar
Censor, de Prano Bailey-Bond
Em plena época dos video nasties ingleses, uma burocrata especializada em censurar filmes de terror é arrastada para este submundo, atraída pela violência que se começa a acomodar confortavelmente em si, e um terrível segredo do passado. Ambiental e fumarento, como se fosse uma reencarnação de um entidade dos infernos numa cassete VHS.
6º Lugar
Os Mitchells Contra as Máquinas, de Michael Rianda & Jeff Rowe
Uma animação Netflix que impressiona de tão boa que é. Uma crise familiar, de identidade e logística de uma família em stress que tem onde estar e pouco tempo para o fazer ,enquanto decorre um apocalipse de máquinas a escravizar a humanidade. Mas esta família não se impressiona com esse detalhes menores, como o iminente fim da humanidade, porque o que importa é salvar a integridade da sua estrutura familiar.
5º Lugar
Lamb, de Valdimar Jóhannsson
Ah, a serenidade do inverno na Islândia, mesmo ali onde os extraterrestres vieram plantar a vida na Terra no Prometeus, as confortáveis camisolas de lã, o aconchego de uma boa lareira e uma criança fofa e simpática com cabeça de borrego. Estes são os subterfúgios deste casal para fintar a perda e o luto e encontrar algum conforto emocional. Mas a mãe natureza não está para frescuras e diz, parafraseando o protagonista de Ninguém, I’m gonna fuck you up. Sempre bonito em tons de pastel, filmado a régua e esquadro usando as paletas de Wes Anderson, as ferramentas de medição de Kubrick e os ritmos de Malick.
4º Lugar
In the Earth, de Ben Weathley
Há quem tenha reconstruído a casa de banho ou criado um sofá de paletes no confinamento. Ben Wheatley fez um filme sobre a interação da ciência com as mitologias pagãs em ambiente de emergência pandémica e o resultado é uma alucinação colectiva que se ama ou se detesta. Nota: Se tiverem pés, vão-se identificar com este personagem.
3º Lugar
Benedetta, de Paul Verhoeven
Sua eminência Paul Verhoeven regressa para nos brindar com nunsploitation premium, numa história passada num mosteiro do século XVIII, com uma freira que aspira à santidade. E a sua namorada. Sexo, violência, tortura fisica e emocional, paixão, política, religião, enfim, tudo e um par de botas.
2º Lugar
Ninguém, de Ilya Naishuller
Logo no início do ano foi largada uma das suas melhores pérolas, da estirpe “filme de acção com homem de vida banal, mas que foi antes um sujeito fodido para a porrada que tem que voltar ao activo porque o chatearam moderadamente e é interpretado por um improvável actor que regressou da reforma ou mudou inesperadamente de estilo de representação”. Ninguém é uma fantasia masculina, para todos nós aprisionados nas rotinas boçais que sonhamos em partir tudo, virar a mesa e mudar de vida. É a versão masculina de As Cinquenta Sombras de Gray, mas em vez de bolas no cu é assentar porrada a exércitos de labregos.
1º Lugar
Titane, de Julia Ducournau
Com este filme a sair este ano, não há hipótese nenhuma para os outros concorrentes. Desafiador de todos os preconceitos, formatos e linhas narrativas, Titane chegou para nunca mais nos largar. Subverter as expectativas é minimizar a estrutura deste filme que é simultaneamente o mais violento e o mais ternurento, o mais realista e o mais esotérico, o mais machista e o mais feminista. É tudo o que há no mundo e o seu inverso.
Menção Honrosa
Luca, de Enrico Casarosa
Luca, a Pixar com o coração no sítio a encher os seus habituais pneus, mas isso não é necessariamente mau. E reconfortante, numa época de constante instabilidade.