Steven Spielberg costuma fazer estas inversões, em que depois de um par de grandes produções, regressa ao básico. Aconteceu com Terminal De Aeroporto, em 2004, uma humilde pérola cinematográficas, com entretimento garantido e muitas doses de compaixão, solidariedade, humanismo e mais uma mão cheia de nobres sentimentos, em que demonstra aquilo em que é mais forte – o storytelling. Portanto, depois do genial Apanha-me Se Puderes, Spielberg voltava à carga com mais um grande filme de fait-divers.
Tom Hanks encarna o papel de Viktor Navorski, um turista do leste europeu que, ao chegar aos Estados Unidos, vê o impossível acontecer – Krakhovia, o seu país, acabara de implodir num golpe de estado e consequente guerra, deixando de ser reconhecido legalmente. Logo, o seu passaporte deixa de ser válido. Como a deportação não era possível e a entrada na América também não, Viktor Navorski passa a ser aquilo a que chama de “uma falha no sistema”: um cidadão sem país, vivendo no limbo existencial traduzido no aeroporto de Nova Iorque. O que pode então fazer num aeroporto um homem sozinho com um coração do tamanho de uma montanha, doses inesgotáveis de compaixão para dar e com um ligeiro conhecimento de bricolage? A resposta é: muita coisa!
Tom Hanks volta a ter um filme centrado em si, depois de O Náufrago, mas desta vez não está sozinho. À sua volta ergue-se o aeroporto de Nova Iorque, um mundo fechado dentro de outro mundo, que lhe dá a liberdade de improvisar e crescer como personagem, começando como um simples turista de leste que não sabia falar inglês, para terminar como o próprio aeroporto em si. Spielberg afasta de todo a ideia de insegurança e alheamento, que são sensações directamente relacionadas com o aeroporto, com uma comédia dramática, em que utiliza também a ironia para criticar os Estados Unidos (e a desumanizaão da burocracia, claro), com uma enorme metáfora que é o elefante na sala.
Entretanto entra em cena Catherine Zeta-Jones, boy meets girl e fica completo o ramalhete para o feel good movie, onde Steven Spielberg pode explorar as influências de todos os Senhores Cinemas do passado que enformam o seu cinema. Se as referências a Capra são impossíveis de não nomear em tudo o que realiza, desta vez também o são as de Jacques Tati – com a cena clássica em que Hanks foge a uma câmara de vigilância – e o universo burlesco de Keaton e Chaplin. Hanks é mesmo uma junção destas duas influências, adoptando mesmo o trampwalk de Charlot e a representação física de Buster Keaton.
Terminal De Aeroporto é um Spielberg em grande forma. E se, no final, acaba por deixar o filme resvalar um pouco, devido às exageradas tentativas de lágrima, por outro lado tem um ponto fortíssimo que é o de atirar para plano secundário o amor, como acção motivadora da acção. Porque também o jazz é uma coisa bela. Já diz o saxofonista David Murray, when I die I don’t wanna go to heaven! I wanna go to jazz! Um McRoyal Deluxe, versão dieta – sem batatas fritas, bebida, mas com muitos molhos.
Título: The Terminal
Realizador: Steven Spielberg
Ano: 2004