No seu filme de 2023, ano em que assinalou o seu centésimo aniversário, a Disney decidiu prestar tributo a grande parte dos seus filmes anteriores que têm contribuído para construir o seu legado. No entanto, tendo em conta a forma como a empresa tem vindo a canibalizar esse corpo de obra nos seus recentes remates em imagem real dos antigos clássicos de animação, talvez a palavra mais exacta para descrever Wish – O Poder dos Sonhos seja reciclar.
De facto, a premissa central de Wish – O Poder dos Sonhos são precisamente os desejos que alimentam a vida e que, na verdade, são o material de que são feitas as histórias da Disney. Wish – O Poder dos Sonhos vai ainda mais longe e, além das referências directas a filmes como Bambi, Fantasia ou Mary Poppins, há ainda a presença mais ou menos velada do When you wish upon a star, a canção do Pinóquio que se tornou na theme song da própria empresa. No entanto, fica sempre o sentimento de que essa é uma ideia sub-desenvolvida e que o filme nunca cumpre em plenitude, parecendo que está sempre a faltar algo mais.
É, claramente, uma questão de prioridades. Em Wish – O Poder dos Sonhos, a Disney está mais preocupada em capitalizar a marca redonda do seu aniversário e, por isso, repete fórmulas e recicla ideias, como se a criação de merchandise que venda aos magotes fosse sempre mais importante do que a história do próprio filme. Na realidade, essa tem sido a prioridade da Disney há várias décadas, especialmente desde que se tornou num dos maiores gigantes do capitalismo, mas será que tinha que ser assim tão à descarada? Aliás, Wish – O Poder dos Sonhos procura repisar com tanta força as pegadas deixadas por Frozen – O Reino do Gelo, o filme que inaugurou um novo ciclo da empresa em 2013 e que tem sido espremido sem piedade desde então (sabiam que já foi anunciada a quarta sequela quando ainda nem estreou a terceira?)), que parece um lado b dessa história, onde até a banda-sonora, abastecida por uma série de power-ballads mais ou menos esquecíveis, parecem os restos do Let it go e companhia.
E quanto ao filme? Bem, quanto filme, Wish – O Poder dos Sonhos é a história de um reino encantado no Mediterrâneo, a ilha de Rosas, onde um rei mágico, o Rei Magnífico (Chris Pine), recolhe os sonhos dos seus habitantes quando estes atingem a maioridade. Estes esquecem-nos para sempre, mas vivem na felicidade eterna de, de quando em vez, o rei organizar umas cerimónias públicas e conceder esse desejo a uma pessoa escolhida aleatoriamente por ele próprio. De início parece uma coisa boa, poder vir a ter o nosso maior sonho realizado assim com um estalar de dedos, mas à medida que Asha (Ariana DeBose) se vai aproximando mais do rei, rapidamente percebe que isso só serve para apagar aquela chama que arde no âmago de todos nós e nos faz viver, andar para a frente e perseguir os nossos objectivos de vida.
A mensagem é bonita, mas o filme revela-se formulaico em demasia. Asha tem dois sidekicks, uma cabra com sotaque inglês (Alan Tudyk) e uma estrela-tipo-Pokémon, mas que não são engraçados ou adoráveis o suficiente; o rei Magnífico é um vilão interessante, pelo seu formato inesperado dentro do modelo da Disney, mas falta-lhe sempre um momento decisivo que o transformem definitivamente numa ameaça; e os secundários são apenas peças decorativas, que servem apenas para lançar mais canções e fazer a história avançar até ao final feliz da praxe.
Wish – O Poder dos Sonhos não deixa de ter aquela atmosfera confortável e nostálgica que a animação da Disney nos dá (basta surgir o logo do castelo no início para sentirmos logo aquele calor familiar que nos faz sentir bem), mas chega-nos a espaços e nunca cumpre em pleno. É um filme calculista e, por isso, sem alma e personalidade. É um Cheeseburger menor nos 100 anos da empresa do rato Mickey.
Título: Wish
Realizador: Chris Buck & Fawn Veerasunthorn
Ano: 2023