Os Estados Unidos são um país relativamente jovem e, por isso, não tem propriamente História. Portanto, contam-se pelos dedos de uma mão as manifestações culturais e artísticas exclusivamente norte-americanas. O jazz e o western são as mais conhecidas, provavelmente, mas logo a seguir vem a luta-livre. Não aquela que vai aos Jogos Olímpicos, mas a outra, a fajuta (leia-se encenada), que aprendemos a ver e a gostar com os comentários do Tarzan Taborda e o seu léxico inesquecível de body slams com acompanhamento, duplas patadas e machetes altas.
Para os fãs da luta-livre americana, os Von Erich não são um nome estranho. Aliás, são mesmo considerados a maior família a vingar no género, tendo sido induzidos no Hall of Fame da especialidade em 2009. O pai, o original Von Erich, foi um dos percursos da luta-livre nos anos 50 e 60. Depois, os seus filhos seguiram-lhe as pegadas e, uns mais que outros, chegaram ao topo da carreira, com destaque para David, que manteve um feudo interessante com Ric Flair ao longo dos anos. Woooooo.
No entanto, os Von Erich não são conhecidos apenas pelas suas faculdades na luta-livre, já que existe uma faceta esotérica que continua a pairar sobre o legado da família. É que estes são assolados desde sempre por… uma maldição(!), que levou à tragédia por várias vezes. Um dos filhos morreu ainda criança, electrocutado numa poça de água, outro morreu num quarto de hotel no Japão e outros três suicidaram-se precocemente. Isso já para não falar das drogas ou do acidente de mota que amputou o pé a um deles, Kerry. Em todos os Estados Unidos não existe família com mais azar. Em segundo lugar vêm os Kennedy, que mesmo assim ficam ainda a uma longa distância.
Iron Claw (cujo título pega emprestado o golpe de marca que os Von Erich usavam no ringue) é assim um biopic que é mais uma saga familiar do que um filme sobre luta-livre. Ou seja, o desporto (e o sentido de espectáculo) está lá (no final até existe Ric Flair (Aaron Dean Eisenberg) e tudo), mas esse é apenas uma das várias facetas deste épico familiar ao longo de vários anos, numa reconstituição de época que aposta sempre na banda-sonora para ajudar a marcar a passagem do tempo. E aqui o destaque vai interinho para a cena em que os irmão descobrem o Tom Sawyer, dos Rush, que haveria de se tornar no seu tema de entrada em ringue.
Mais do que um filme de desporto, Iron Claw é uma saga familiar sobre a camaradagem e a masculinidade (os irmãos formam um herói colectivo, até porque, apesar de Zac Efron (com um cabelinho à He-Man e inchado depois de um regime intensivo no ginásio (e, provavelmente, muitos esteróides)) assumir um pouco o lugar de protagonista, o seu síndrome de irmão mais velho nunca é devidamente aprofundado – e ele, que foi o único que sobreviveu à “maldição”, acabou por se tornar no tal cuidador da família que era um valor caro ao pai) e sobre a educação rígida paterna, as expectativas e os pais que vivem os seus sonhos através dos filhos. Aliás, Iron Claw não é muito diferente de um filme como King Richard – Para Além do Jogo, que mostrava como a exigência do pai das irmãs Williams resultou em duas das maiores atletas de sempre do ténis feminino, mas também em traumas pessoais e muita terapia colectiva.
Sean Durkin, que continua a ser um realizador demasiado raro para alguém que fez um filme como Martha Marcy May Marlene (Iron Claw é apenas o seu terceiro trabalho na realização), não procura grandes invenções nesta trama familiar. Mantém a ordem narrativa cronológica, depois de um prólogo com o pai, Fritz Von Erich (Holt McCallany), nos seus tempos áureos em glorioso preto e branco de alto contraste, tira uma radiografia aos Estados Unidos sulistas dos anos 70 que respira americana por todos os poros e aposta tudo numa direcção de fotografia estilizada, que procura maximizar tudo o que é o efeito nostalgia, especialmente na forma como recria os combates de wrestling na televisão, com aquelas transições manhosas e letterings arcaicos.
Iron Claw não é um filme inesquecível, mas é competente o suficiente para o recomendarmos. No entanto, tem duas decisões mais ou menos incompreensíveis, especialmente para um filme que vem com o carimbo de qualidade da A24. A primeira tem a ver com a opção de Durkin em remover do filme por completo um dos irmãos, afirmando posteriormente que o fez por motivos puramente dramáticos, já que o espectador ia ficar cansado de ver tanto filho a suicidar-se – uma decisão algo estranha e que, tendo em conta que estamos a falar de factos reais que nem são assim tão distantes temporalmente quanto isso, deixam um pouco a desejar no que diz respeito à consideração para com a família. Mas o pior é mesmo uma cena já perto do fim e a qual é tão má que não tenho vergonha em fazer spoilers: é a sequência logo após o suicídio do último dos Von Erich e que termina com este a chegar ao céu e a reunir-se com os manos. A sério? Não é isso que esperamos de um Double Cheeseburger.
Título: The Iron Claw
Realizador: Sean Durkin
Ano: 2023