| CRÍTICAS | Kraven, o Caçador

A ideia da Sony era boa: aproveitar o universo cinematográfico do Homem-Aranha, já que detinha os direitos, e fazer filmes dos vilões. No final, até podia fazer um crossover, se a coisa corresse bem, e lançar o Sexteto Sinistro, o super-grupo de mauzões que detestam o Homem-Aranha. Contudo, como todos os filmes da Sony sobre o universo Marvel, todas as tentativas foram… más é favor, desastrosas é mais correcto. Primeiro, porque os filmes são sempre unidimensionais, lembrando a origem dos livros da Marvel, em que os bons combatiam os maus e não havia cá zonas cinzentas. E, segundo, porque apesar de serem todos vilões, a Sony não conseguiu nunca não os transformar em heróis, com medo de alienar o púbico ou os seus actores.

Agora que o universo cinematográfico do Homem-Aranha foi absorvido pela Disney, a Sony vai acabar oficialmente com esta tortura de filmes. E, num ano em que já teve os desastres Madame Web e Venom – A Última Dança -, a Sony não resistiu em lançar um terceiro(!) filme: Kraven, o Caçador. Como se a coisa não fosse já má demais. Sabem aquele meme dos Simpsons, stop stop he’s already dead?

Talvez por já termos as expectativas em baixo, o início de Kraven, o Caçador até tem alguma graça, com aquele seu charme de filme xunga, com grande economia narrativa, sobre um caçador de bandidos implacável. Ele é Aaron Taylor-Johnson, o filho de um russo mafioso (Russell Crowe que vai aumentando os seus níveis de canastrice à medida que vai aumentando de peso – e eu que pensava que, em 2024, já tínhamos acordado todos que os actores já não faziam sotaques ridículos para fazerem de russos, alemães ou chineses), que se infiltra numa prisão de alta segurança na Sibéria para despachar um rei do crime qualquer e desaparecer num piscar de olhos.

Depois desse prólogo em modo James Bond (ainda mais) anti-herói, Kraven, o Caçador recua para nos contar a sua origem. O trama de um pai abusivo (e sanguinário), uma mãe que não aguentou a pressão e cometeu suicídio e um safari que correu mal e que poderia ter levado à sua morte, se uma jovem neta de uma xamã africana não aparecesse providencialmente com uma poção mágica que lhe desse poderes sobre-humanos. Aaron Taylor-Johnson cresce então para se tornar num caçador não de animais, mas de feras humanas, um campeão dos fracos e oprimidos que mata a sangue frio, excepto se for o seu pai. Esse pode continuar a traficar droga, contrabandear armas e mandar matar os seus rivais à vontade…

Kraven, o Caçador tenta simplificar o jogo numa luta de bons contra os maus, sinalizando muito bem quem é quem, mas o realizador J. C. Chandor não tem nem unhas para essa guitarra nem sequer um argumento que faça sentido. Os buracos no argumento dá para passar um elefante lá por dentro e as coincidências e os deus ex-machinas empilham-se uns nos outros para tentar disfarçar a coisa. Há de aparecer o verdadeiro vilão do filme, o Rino (Alessandro Nivola), mas nunca é bem claro porque usa uma mochila como se tivesse sempre com pressa para ir para a escola; também há ainda de surgir outro vilão, o Estrangeiro (Christopher Abbott), mas os seus poderes também nunca são claros; e, claro, Kraven há de se reencontrar com a miúda que o salvou (Ariana DeBose), agora uma advogada de sucesso, que mais tarde o irá voltar a safar com mais uma dose da poção mágica que, convenientemente, carrega consigo dentro da mala sempre que sai de casa. O Paddington tem sempre uma sandes de compota no chapéu para as emergências e Ariana DeBose um frasquinho com uma poção mágica que cura todas as maleitas.

Ainda há umas cenas com uns bisontes em CGI manhoso, nenhuma cena de luta memorável ou digna de nota e Fred Hechinger a cantar umas versões pavorosas dos Black Sabbath e do Harry Styles. É impressionante como a Sony andou anos a financiar estas Hamburgas de Choco.

Título: Kraven, the Hunter
Realizador: J. C. Chandor
Ano: 2024

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