Noah Baumbach tem referido, a propósito de Marriage Story, a influência decisiva de Ingmar Bergman. Afinal de contas, é incontornável não pensarmos em Cenas da Vida Conjugal, não é? E, no entanto, é Woody Allen que não nos sai da memória enquanto vemos o filme. Que, por acaso, também refere amiúde a influência de Bergman no seu trabalho. Ao fim e ao cabo isto está tudo ligado.
Marriage Story é a segunda empreitada de Noah Baumbach para a Netflix, depois do bem recebido The Meyerowitz Stories, e é aquele que pode muito bem ser o seu filme de adulto. Ou seja, aquele em que dá o salto para um novo patamar, afirmando-se definitivamente como o realizador indie da actualidade (assim mesmo, com artigo definido em itálico). Para já é o filme em que rompe definitivamente com a influência de Wes Anderson para abraçar de vez o realismo existencial de Ingmar Bergman/Woody Allen (escolher aquele que mais lhe parecer indicado).
Marriage Story é, como o próprio título indica, a história do divórcio entre Adam Driver e Scarlett Johansson, ele encenador de teatro, ela actriz, ambos pais do pequeno e ambos estrelas numa pequena companhia teatral de Nova Iorque. É um casamento mais ou menos pacífico, mas que rapidamente escala para uma batalha cruel. Mas muda e silenciosa. Estamos portanto no universo de Kramer Contra Kramer e não no de A Guerra das Rosas.
Noah Baumbach tira assim uma radiografia ao ser humano e aos seus relacionamento, assim como ao que de pior temos dentro de nós. Fá-lo com um realismo seco e bem casual, em que as personagens não têm problemas em sair de cena para irem fazer cocó ou atar o sapato (nem problemas em falar nisso). É provavelmente o único filme em que uma personagem vai fazer cocó, sem que isso seja uma piada escatológica. E isso é um elogio.
Depois entram em cena os advogados. Do lado de Johansson, Laura Dern é implacável na sua passivo-agressividade. É, provavelmente, a mais terrível vilã do cinema em 2019. Do lado de Adam Driver há primeiro que tudo Alan Alda, a actuar no espectro oposto do de Laura Dern. Alda é um advogado mais resignado com o absurdo e a brutalidade do divórcio – uma morte sem cadáver. Marriage Story é assim um filme de actores e todos eles têm tempo e espaço para brilharem.
Há só um pormenor que destoa em Marriage Story. No final, Noah Baumbach parece querer forçar o círculo para que este encerre numa volta perfeita e a coisa sai-lhe frouxa. Já em The Meyerowitz Stories era o último acto a fraqueza do filme, que parecia resolver-se demasiado depressa. Mas aqui o resultado é bem melhor. Mais simples e, consequentemente, mais humano. E realista. Como os filmes de Bergman…, perdão, de Woody Allen. Um McRoyal Deluxe para esta festa de divórcio.
Título: Marriage Story
Realizador: Noah Baumbach
Ano: 2019