O Orange, do Jon Spencer, é capaz de ter uma das melhores entradas de sempre da história do rock’n’roll. Começa com uma malha de guitarra e bateria com um violino por cima e vai demorando-se até que, no seu modo de pregador desvairado, ouve-se thank you very much, ladies and gentlemen, right now I got to tell you about the fabulous (pausa) most groovy (pausa ainda maior) Bellbottoms! E a partir daqui é sempre a partir durante mais 3 minutos. É uma das melhores aberturas da história do rock’n’roll e agora é também uma das melhores aberturas de sempre de um filme, graças a Baby Driver – Alta Velocidade, que arranca com um assalto ao som do Bellbottoms.
A música sempre teve um papel fundamental nos filmes de Edgar Wright, especialmente no último Scott Pilgrim Contra o Mundo, mas nunca teve uma relação umbilical com o próprio argumento como em Baby Driver – Alta Velocidade. É que aqui, Ansel Elgort (o Baby do título, que é condutor de assaltos) tem um tinido constante nos ouvidos por causa dum acidente que teve quando era criança e passa o filme de fones, com um iPod diferente para cada situação do dia. E a banda-sonora do filme é quase sempre diagética, acompanhando a acção e as personagens. Não vamos falar da cena com o Brighton Rock, até porque os Queen já tinham tido um highlight em Shaun of the Dead (aquele filme em que me recuso a utilizar o subtítulo português); vamos antes falar dum longo e genial plano sequência com o Harlem Shuffle do Bob & Earl (que os Stones gravaram uma versão naquele desastre que é o Black and Blue), que há de ficar como um dos grandes momentos do próprio Wright.
Depois de Pulp Fiction pensava-se que não era possível um filme ter mais estilo. Mas isso foi ate chegar Edgar Wright, primeiro em Scott Pilgrim Contra o Mundo e agora com Baby Driver – Alta Velocidade, em que cada momento é altamente estilizado e iconográfico. Não é por acaso que o filme vai buscar todo o imaginário dos anos 50 (as roupas, os carros, a própria música (toda a banda-sonora é uma jukebox de soul, stax e doo-wop))… Também o argumento não podia ser mais clássico: boy meets girl e fogem os dois pelo alcatrão fora, de carro, em direcção ao pôr-do-sol. O problema é que Baby, o tal condutor exímio de assaltos, tem um último trabalho a fazer para Kevin Spacey antes de poder deixar tudo e bazar com o love of your life. E se esse trabalho é arriscado, ter na equipa o volátil Jamie Foxx também não ajuda.
Edgar Wright tinha assim uma ideia que queria pôr em prática e, para isso, recorreu ao argumento mais simples que encontrou. Baby Driver – Alta Velocidade é um heist movie muito frouxo, que só arrebita quando arrancam as perseguições automóvel (e a pé, também há uma perseguição a pé que merece kudos). Parece que tudo o resto foi só uma desculpa para o realizador filmar carros em alta velocidade e curtir um som porreiro (ele que tem um bom gosto do caraças e só por isso merece mais kudos). E isso não é necessariamente mau, porque como sabemos (graças a filmes como Hot Fuzz – Esquadrão de Província, que satirizava os action movies de Hollywood), Wright domina na perfeição os códigos do género. Mas é por isso que agora esperamos sempre o máximo dos seus trabalhos e este McChicken, apesar de se ver sem fastio nenhum, sabe uma beca a desilusão. A culpa é dele, que nos habituou mal.Título: Baby Driver
Realizador: Edgar Wright
Ano: 2017