À medida que o corpo de trabalho de Wes Anderson evolui este torna-se mais completo, mais minucioso e mais detalhado. É um gesto criador total, que já se tornou numa autêntica marca autoral própria. O seu nome pode ainda não se ter tornado em adjectivo (aquele sinal máximo da influência total de um realizador no próprio cinema), mas basta ver uma página como Accidentally Wes Anderson para percebermos o seu peso na cultura popular de hoje. Wes Anderson é criador de um universo muito próprio, mais analógico do que digital, mais desacelerado do que em hiper-velocidade, mais nostálgico do que futurista. É um mundo que nos deixa a todos um gostinho especial e extremamente familiar, mesmo que nenhum de nós o tenha vivido.
Por isso, não deixa de ser curiosa a referência a Jacques Tati – e à sua casa de O Meu Tio – logo a abrir Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun. Enquanto que o francês, que também se perdia nesse mesmo gesto criador total, projectava o mundo moderno por vir, Wes Anderson olha para trás e recupera um mundo que é mais memória do que verdadeiramente passado. E, pela primeira vez na sua obra, Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun faz ainda uma rima muda com a realidade, já que o filme é todo ele uma espécie de elogio ao The New Yorker e a escritores e jornalistas como James Baldwin ou Mavis Gallant.
Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun é então a história do último número de uma revista de referência, The French Dispatch (publicada numa pequena cidade francesa, mas criada nos Estados Unidos), após a morte do seu editor e fundador (Bill Murray). Depois de uma pequena introdução, o que vemos são algumas das histórias publicadas nesse número derradeiro, que incluem ainda o respectivo obituário, uma pequena reportagem de bicicleta por Ennui-sur-Blasé, a tal terriola francesa (e o seu nome é todo ele um tratado), e três reportagens alargadas.
A primeira (e melhor das três histórias) é a crónica de um artista brilhante (Benicio Del Toro), que cumpre pena por assassinato, que encontra na guarda prisional (Léa Seydoux) a sua musa inspiradora e que acaba explorado por um galeria visionário (Adrian Brody). Ou não. A segunda história viaja para as ruas do Maio de 68, onde Thimotée Chalamet lidera a revolução e a própria jornalista (Frances McDormand) acaba por fazer parte desses acontecimentos históricos das ruas de Paris. E a terceira e última (que é também a mais frouxa), é a tentativa de criar o retrato de um famoso chef (Steve Park), que gere a cozinha do Departamento de Polícia.
O problema de Crónicas de França do Liberty, Kansas Evening Sun é precisamente esse. Wes Anderson perde tanto tempo a criar ao detalhe um mundo tão completo e grandioso (é um gesto ainda maior que o da sua Mitteleuropa, em Grand Budapest Hotel), que acaba por depois não ter uma trama verdadeira que o suporte. É certo que todo ele é um regalo aos olhos e que, por isso, nunca nos deixa cair em aborrecimento, mas a verdade é que preferíamos todos que o filme tivesse um argumento para nos deliciarmos com aquilo. Assim, é criado aquele macrouniverso, as peças são dispostas no tabuleiro, mas no limite parece que alguém se esqueceu de as ensaiar e coreografia. E que desperdício, com um elenco daqueles – mais um daqueles mosaicos intermináveis de grandes nomes de Wes Anderson (incluindo os habituais Owen Wilson, Bill Murray, Jason Schwartzman ou Anjelica Huston, esta última a fazer de narradora). O McChicken pode não o parecer, mas é um McChicken mais de desilusão (por não corresponder às expectativas criadas) do que de espanto e maravilhamento.
Título: The French Dispatch
Realizador: Wes Anderson
Ano: 2021